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O dilema da filiação: uma crônica sobre as duas últimas eleições presidenciais no Brasil

 *Texto publicado originalmente no blog "O Dever da Esperança", em fevereiro de 2023. No final dos anos 1910, quase no encerramento da Primeira Guerra Mundial, Max Weber brindou a humanidade com uma conferência chamada “Política como vocação”. Algumas ideias centrais dessa obra, como o título pode sugerir, ajudam a delinear a compreensão sobre a atividade política e apresentam dois modelos éticos distintos: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. De forma bem sintética, o modelo da ética da convicção costuma ser o mais comum: as pessoas entendem que há “certos” e “errados” bem delimitados, geralmente movidos por dogmas, máximas ou crenças específicas. Por exemplo: não matar, não roubar, não acobertar um criminoso, não mentir, dentre outros imperativos, sobretudo do que não fazer. Há também aqueles positivos, mas que não necessariamente têm a mesma força para levar à ação: dar esmola e ajudar os mais necessitados, duas das lições mais apregoadas nas expressões reli
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Temporada dos cachos

Queridas pessoas leitoras, tive vontade de retomar a escrita neste espaço público de monólogo por força da gravidade da crise existencial que venho enfrentando, algo pelo qual cada uma de vocês deve estar igualmente passando graças aos nossos dois anos de pandemia. Essa não é a primeira, nem imagino que seja a última. Mas acho que daqui para frente a forma como lidarei com elas será bem diferente por um motivo inusitado: agora eu tenho meus cachos. Na real, ter ou não ter cachos nos cabelos não é o detalhe marcante. Nem todo mundo que tem cachos entenderia muito bem o sentimento que vem me atingindo nesses últimos quase dois anos. Quase dois anos de reclusão, um treinamento intensivo para não regredir a uma forma de existir anterior que me colocava num lugar menos autêntico (e menos autônomo), combinado com sequelas de uma doença pouco conhecida e de outras seculares, como a solidão em meio aos muitos contatos, a ansiedade do panóptico social digital, e o vício entorpecente em métricas

A pandemia, o novo normal no senso comum e a estafa

Hoje é dia 21 de julho de 2020. Desde o dia 16 de março deste mesmo ano sinto os efeitos graves da doença pandêmica sobre o meu espírito. Apenas uma semana e um dia foi o tempo que tive para estar sozinho, me recondicionar à minha casa - ao meu recanto de intimidade, de memórias e rotinas só minhas. O meu lugar de ser o adulto livre, responsável e autônomo que acostumei a ser em 7 anos fora da casa dos meus pais. O ano mal havia começado e as incertezas, velhas-novas presenças cotidianas, já tentavam fazer bagunça no meu lar. A principal delas era a financeira-profissional. No dia 16 de março que minha universidade anunciou que estaria suspendendo todas as atividades acadêmicas presenciais por tempo indeterminado e que fechariam o Restaurante Universitário naquela mesma semana. A recomendação era de que todos fossem para as casas de suas famílias o quanto antes. Na semana anterior, eu havia chegado para organizar meu período letivo e como seria desenvolvida minha pesquisa nos meses seg

Parede na sala de estar

É um ditado popular: "se as paredes falassem...". E nada mais é dito. Assim como as paredes não falam, não se fala mais nisso. Os assuntos cessam quando os ditados entram. As paredes estão cheias de histórias, mas muros e murais estão entupidos de ditados. A parede da minha sala de estar já ouviu e viu mais momentos de amor, de afeto, de sentimentos em rompante e de dores desconfortantes do que muros e murais jamais poderiam anunciar com tamanha verdade. É uma sala de estar. No inglês, também seria uma sala de ser. Combinação linda que é o verbo "to be", não é mesmo? E a sala se tornaria uma "living room". As paredes teriam vida também, já que a vida não conhece barreiras, nem mesmo na morte. Os muros e murais de alguém estão aí para garantir proteção. Muros e murais virtuais servem para a mesma coisa. As mensagens estampadas neles servem apenas para o lado externo. Grande parte das vezes não foram as pessoas que construíram essas barreiras que co

Martírio

Foi em 2012 quando publiquei um texto chamado "A arte de andar nas ruas (até 01 de janeiro)". Com um título inspirado na obra "A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro", de Rubem Fonseca, demonstrei como era ruim andar pela cidade em época de eleições. Há seis anos, o que me incomodava eram os cavaletes nas calçadas, a hipocrisia dos candidatos que diziam querer cuidar da cidade e a quantidade imensa de papéis (de trouxa) que os mesmos jogavam no meio das ruas. Parece que, depois de adulto, mas nem tão mais velho, os incômodos tornaram-se medos. Não faz muito tempo, eu tinha uma paixão enorme pela atividade política. Abraçava o prefeito da minha cidade como se fosse meu amigo (já que tinha por ele um afeto de conhecido da minha mãe), participava de programas da rádio dele, tirava fotos e tudo mais. Pouco tempo depois, esse mesmo senhor terminou seu mandato com vários processos nas costas e não quis (ou não pôde) mais se candidatar a nenhum cargo na gestão públ

Um último encontro

O dia de se encontrar com pessoas especiais deixa a gente inquieto, se programando sem parar. A expectativa era enorme para aquele momento: já fazia meses desde a última vez que tivemos um tempo juntos e a saudade apertava o peito com força. Não era preciso muito para que fosse especial, bastava apenas a presença, o afeto, até mesmo o silêncio seria prazeroso. O último encontro havia sido mágico, mas não tão íntimo. Havia elementos externos que estavam afetando o momento. Foram muitas risadas gostosas, conversas bacanas e sentimentos trocados entre olhares e gestos de afeto, alguns discretos, outros nem tanto. Eu sabia que não duraria para sempre, então já queria o próximo. "Vê se não me ignora", disse com a inocência desesperada de uma criança carente e sozinha. E daí pra frente parecia que tudo tinha sido dito ao contrário. Aquele havia sido o último de alguns encontros contados nos dedos, todos ligeiros como reuniões ou cafés entre executivos. Profissionais. Extrem

A gente chega sozinho...

Neste mês de maio completei exatos 4 anos desde que saí da casa dos meus pais e vim parar nessa cidade chamada Viçosa (mais conhecida pelos estudantes que aqui habitam como 'Viciosa'), localizada numa coordenada geográfica que, se olhasse apenas pelo mapa, seria bem perto de tudo, mas fica tão distante e inacessível que mais me lembra o 'El Dorado'. Para chegar até aqui, preciso sempre percorrer um longo caminho. De ônibus, quando menos atrasa, demora em torno de 18 horas. Quando dou a sorte de achar promoção de passagem aérea, acabo indo até Belo Horizonte, levando por volta de 7 a 8 horas até avistar o supermercado Bahamas, confirmando que finalmente cheguei. Para praticamente todos com quem converso, essa viagem parece muito cansativa e dizem que não se submeteriam a isso com a mesma facilidade que eu aparento ter. O que muita gente não sabe é que não é fácil. Não tem um dia que não penso na minha casa perto do litoral, em como lá tem brisa e ruas mais larga