Pular para o conteúdo principal

Cheirinho de praia



Era sábado a tarde. Bruno se preparava para mais uma semana que viria com tudo. O sábado é o dia que ele tira para ficar a toa e fazer tudo aquilo que vier na cabeça de repente, não mais que de repente. Os sábados de Bruno são muito atípicos e ele gosta disso: ninguém, nem mesmo ele, prevê o que será desse dia incrível, quando a sua imaginação e motivação estão no ápice.

Já tinha resolvido algumas questões que estavam perturbando a mente dele e de gente próxima, foi na rua procurar um lugar para cortar os cabelos, mas não conseguiu achar nada aberto, porque naquele sábado especificamente as coisas estavam fechando pela manhã ou simplesmente as pessoas decidiram não ir trabalhar, pois na sexta havia sido feriado. Ele foi almoçar, mas o lugar onde ele queria comer também não estava aberto, então deu meia volta e foi no segundo lugar onde queria ir e seu dinheiro podia pagar.

Ao voltar para casa, Bruno resolveu cuidar de si. Tinha algumas pequenas feridas para tratar, resolveu mexer nos cabelos por conta própria - só não iria cortá-los porque as experiências passadas dessa natureza não foram bem sucedidas - e dar um jeito na pilha de coisas que estavam fora do lugar. Tudo isso lhe veio na cabeça não mais que de repente.

Mas foi enquanto ele cuidava do seu rosto que lhe veio uma doce lembrança: ao abrir o protetor solar, Bruno sentiu o cheirinho de praia que ele tanto gosta. Sabe como é o cheiro de praia? Um cheiro bem gostoso e aconchegante, que lembra um calor confortável, a água do mar, a areia, toda a diversão e atmosfera que só se conhece na praia.

Sentir o cheiro de praia daquele protetor solar fez com que ele entrasse numa experiência só dele, cheio de lembranças gostosas e sensações que o faziam estremecer por toda a espinha, começando de cima para baixo, tomando conta do seu corpo. Naquele exato momento, Bruno já não estava mais dentro do seu apartamento.

Ele já estava se imaginando correndo, o corpo se bronzeando, coberto de água, sal e suor. As cores que vinham a sua mente eram o amarelo do Sol, dos sombreiros e das mesas e cadeiras, o azul do céu misturado com o azul esverdeado do mar, que se juntava ao branco da espuma das ondas e ao tom quase bege da areia da praia, além de alguns pontos verdes que o faziam lembrar dos cocos e das árvores do litoral. A cena veio à sua mente muito rápido e o prazer tomou conta da sua existência naquele pequeno instante. Bruno se sentia ainda mais em casa agora. Não demorou muito, já tinha passado aquele protetor pelo corpo como se vestisse a sua melhor roupa ou tomasse um banho do seu melhor perfume.

Era ainda de tarde, ele tinha muitas outras possibilidades e encontros para aquele dia, mas foi aquele instante que fez valer todo o seu dia. Ele saiu de casa confiante de que aquele cheiro conquistaria a todos que encontrasse dali em diante e que tudo estava maravilhoso, porque, por um instante, Bruno esteve no seu mais singelo paraíso. E, uma vez no paraíso, tudo se torna divino.

Foi assim que ele entendeu que o divino não é nada extravagante, mas tem cheirinho de praia e mora dentro dele, só precisava se lembrar disso.

(Este caso não acaba aqui. Há algum tempo eu comecei a escrever um pequeno livro chamado "Em Dias de Cão", contando a história do Bruno e as reviravoltas de um momento da sua vida. Vou continuar escrevendo e compartilhando com vocês partes aleatórias por aqui. Não se assustem caso não faça muito sentido :D)


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não se embala a vida pra viagem

Tem muita gente que não gosta da forma como falo por metáforas. Às vezes nem eu mesmo sei aonde quero chegar com elas. Prometo que neste texto será diferente. Primeiro porque será uma coisa mais palpável. Segundo porque, como diz o título, não embalarei numa viagem. O mais importante aqui é saber que, pela primeira vez em um texto meu, estou me direcionando a você, criatura que parou para ler esse parágrafo que mais parece uma nota, e que, se lê meus textos com frequência, também não merece ser embalado para viagem. Estava então num momento de comer um delicioso prato que eu amo. Amo tanto que pedi mais do que poderia comer numa refeição. Acontece que quando se trata de fome, assim que você começa a comer ela vai diminuindo, diminuindo, até que você começa a se sentir cheio (a), e, posteriormente, triste (daí os nomes das minhas receitas fantasticamente grandes: o famoso X-Tristeza e a Lasanha da deprê). O que ajuda na hora de se comer é que sempre há a possibilidade de embalar

O dilema da filiação: uma crônica sobre as duas últimas eleições presidenciais no Brasil

 *Texto publicado originalmente no blog "O Dever da Esperança", em fevereiro de 2023. No final dos anos 1910, quase no encerramento da Primeira Guerra Mundial, Max Weber brindou a humanidade com uma conferência chamada “Política como vocação”. Algumas ideias centrais dessa obra, como o título pode sugerir, ajudam a delinear a compreensão sobre a atividade política e apresentam dois modelos éticos distintos: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. De forma bem sintética, o modelo da ética da convicção costuma ser o mais comum: as pessoas entendem que há “certos” e “errados” bem delimitados, geralmente movidos por dogmas, máximas ou crenças específicas. Por exemplo: não matar, não roubar, não acobertar um criminoso, não mentir, dentre outros imperativos, sobretudo do que não fazer. Há também aqueles positivos, mas que não necessariamente têm a mesma força para levar à ação: dar esmola e ajudar os mais necessitados, duas das lições mais apregoadas nas expressões reli

O dia que eu vendi o mundo

Há mais de um mês tenho a impressão de que não existe mais o que fazer em momentos matutinos. É como aquele buraco no ser humano que muitas vezes é preenchido pela religiosidade, só que na minha agenda. Um vazio que tem sido preenchido por discussões pontuais, mobilizações rápidas e votações vazias. Além desses eventos, existem ainda grandes espaços em vácuo. Isso porque estou envolvido até o pescoço. Antes do começo dessa mudança repentina, eu disse não. Eu e algumas minorias. Mas como minorias não mandam nem são mandadas, tivemos que acatar o que uma massa decidiu libertinamente. E foi interessante! De uma hora para a outra as minorias e eu nos tornamos aquilo que a maioria deveria tornar-se, mas que por infortúnio do destino ou simples lei de Newton não aconteceu. Eis que assim como ato de Houdini, aqueles que me impuseram o vácuo desapareceram nele, e de tempos em tempos assombram os que restaram no mapa astral do que hoje posso chamar de Campus. Esses espectros querem s