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Juliet

It was saturday afternoon (...)

Sim, assim começou esta história. Meu eu em inglês pensava num romance policial que só poderia ser escrito naquela língua. Se mais frases assim aparecerem daqui para frente, saiba, car@ leitor@, que pode ser uma das minhas várias personas se manifestando sobre o ocorrido. O que importa é que, de agora em diante, é uma história verdadeira. Não em sua trajetória, mas em seu conteúdo emotivo. Juliet é uma das várias histórias que quero contar com nomes que fazem sentido para mim e minhas personas, mesmo que sejam apenas nomes fictícios para dar personas a pessoas que existem de verdade. Tentarei negociar com essas figuras para que tudo fique o mais compreensível possível, já que seria humanamente impossível entendê-las fora do meu contexto.

 Se me permite, vou retomar a narrativa. Agora em outra língua.

(...)
estava escuro no quarto. Propositalmente escuro. De alguma forma, aquele clima artificialmente produzido ajudava a colocar os pensamentos em ordem, por mais que fosse um momento de instabilidade profundo. Vindo de um sujeito cujas lágrimas caem com dificuldade, ou que simplesmente não caem, pois secam antes que atinjam pontos mais baixos do rosto, aquele momento seria de completa derrota para um ego orgulhoso.

Não foi por mero acaso. A manhã fora de uma tranquila e afável tentativa de ser amável e cordial para um turbilhão de ódio e desentendimento. O quebra-cabeças havia, enfim, sido resolvido, mas a figura final era horrível, como as obras do Romantismo de segunda geração. A carga de ódio, rancor e a ânsia de se sentir livre de um tormento eram marcantes naquela carta-resposta que recebi de alguém que nunca imaginei que um dia faria isso, principalmente dessa forma. Juliet tinha, enfim, arrancado o caco de vidro que estava preso em seu coração (e no meu).

A história começou há um ano, quando nos tornamos confidentes por correspondência. Foram algumas semanas, talvez meses, de troca intensa e prazerosa. Uma relação de amor construído, mas que antes fora descoberto através de coisas em comum e mais ainda por nossas diferenças. Juliet é um verdadeiro espírito livre, e é isso que me faz admirá-la tanto. Com ela aprendi a soltar algumas amarras feitas de culpa e medo da felicidade.

Mas suas limitações pessoais e o espaço que ocupa na vida das pessoas permanecem como um mistério. Era assim que eu a via. Mas nossa conversa chegou a outro patamar e pensei que, dali para frente, a conexão já seria boa o suficiente para poder me aproximar e compreendê-la em seu mundo. Acabei me abrindo de uma forma que talvez tenha sido demais para que ela suportasse. Quando me perguntou algo crucial para que a relação pudesse florir de forma definitiva, a resposta pareceu não agradá-la. Eu não poderia mentir sobre o que sou ou o que sinto, pois isso seria a ruína para qualquer fundação. Desta vez, a verdade foi o que abalou as estruturas. A resposta dela para o que eu respondi foi aparentemente positiva, mas suas reações posteriores foram extremamente o inverso.

As escusas começaram a surgir, a frequência com que nos falávamos também, até o ponto em que, por amor (inclusive próprio), ela pediu que deixássemos de nos falar.

Fazer isso seria um grande sacrifício para mim, mas tentei da melhor forma que pude atender ao pedido. Porém, a métrica de Juliet era totalmente diferente. Ela foi incrivelmente paciente, tendo em vista que o seu parâmetro de tempo e espaço é muito mais amplo que o meu. O problema é que, ao que tudo indica, forcei demais e adentrei suas fronteiras além do suportável.

Ela agiu da forma mais discreta e silenciosa possível, mas, infelizmente, desta vez, treinei meus sentidos para não ser pego de surpresa, o que, inevitavelmente, acabou me fazendo descobrir que Juliet tinha, enfim, dado um fim à toda a trajetória que havíamos construído e que não queria que eu estivesse comemorando com ela, nem como espectador, as suas próximas vitórias.

Não pude me conter. Falei o que estava sentindo e que queria muito entender o que levou a tal situação. Fui completamente ignorado e isso me fez perder o sono e a paz por alguns dias. Então juntei as forças que ainda me restavam e canalizei para enviar um último apelo, uma súplica feita com todo o amor que eu pudesse reunir, por mim e por ela. Pedi que não ignorasse meu último pedido.

A resposta foi aquela, da qual falei anteriormente. Juliet rasgou meu coração com uma faca envenenada pelo medo, pelo rancor e o desespero de se ver livre de algo que lhe fazia mal e que poderia acabar de destruir a sua vida e de quem estava por perto. Juliet havia feito associações em sua mente que nem nos meus piores momentos eu poderia me imaginar fazendo. Eu havia ido longe demais na sua fronteira e ela havia destruído tudo que ainda restava do meu coração perdido por aquelas terras.

Por fim, Juliet se foi, sem vestígios. O que sobrou foi um resquício de seu gosto amargo ao final da história. Passei o dia tentando expurgar esses sentimentos que não me pertencem, mas as manchas feitas por eles são difíceis de limpar.

Juliet me disse para viver minha vida e esquecer que ela sequer um dia existiu. Me mandou sair da vida dela e fez o que pode para garantir que isso iria acontecer, querendo eu ou não. O problema, Juliet, é que você deixou marcas. Elas fecham, mas ficam as cicatrizes.

Escolhi seguir pelo menos um conselho dela. Saí do quarto escuro e fui viver minha vida. Tentar me limpar um pouco daquilo que tinha me feito sentir, como se fosse a pior pessoa deste mundo.

E quero te agradecer, de coração: você me permitiu fazer isso. Eu te desejo amor para curar essa mágoa e para que possa viver plenamente. Conseguiu me ensinar mais uma das tantas lições destes meses que pude conviver com você: nada vai embora até que tenhamos aprendido tudo o que pudermos com el@.



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