Hoje, quero escrever simples. Estou vivendo num tempo que não é meu. Há dias que não me sinto dono dos meus dias. Habitante da minha casa. Sujeito dos meus direitos e das minhas obrigações. Vivo agora o ontem do amanhã, que ainda não vejo. Existo, me movimento, mas não sei para onde vou, porque agora dependo do tempo de algo ou de alguém que ainda não tenho como referência.
Já escrevi outras vezes sobre o tempo. Em todas elas, a minha relação com essa grandeza da física estava mais afinada. Eu tinha mais segurança para perceber o desenrolar das coisas de maneira contemplativa e analítica. Era possível até desejar. Neste momento, o tempo está levando embora o meu desejo, me acordando antes dos sonhos doces e esticando os prazos da espera por respostas.
Foram dezesseis anos de formação técnico-científica: do curso Técnico em Informática, passando pelo Direito, pelo mestrado e pelo doutorado em Arquitetura e Urbanismo. Mesmo com uma pandemia no meio, esse tempo todo foi meu. Eu me sentia pertencente. Compreendia que dependia mais de mim do que dos outros para fazer o que eu queria. Toda essa jornada fez sentido até o jogo virar. Agora, o tempo não é mais o do meu querer e do meu esforço.
Da mesma forma, foram embora os tempos dos afetos que encontrei ao longo desses anos e das experiências reais que compartilhei com gente fora das telas. Há até quem diga que fiquei por tempo demais num lugar onde eu quase nasci e onde criei vínculos tão importantes quanto os que tenho com a minha família. Tem gente que não sabe o que diz, porque não consegue viver o tempo da sua própria vida, então prefere tentar viver a vida de outras pessoas, somando mais um fracasso para uma existência desesperada por sentidos sóbrios.
O que sinto agora é que estou existindo num limbo do tempo dos outros. Que meu corpo entende que o momento é de espera, mas minha mente clama para conseguir fugir disso. Por isso, assim como um garoto pensa em pular a janela para sair quando a porta do quarto está trancada, vez ou outra converso com o que vejo lá fora, além das paredes da casa que quase já não é mais minha, como se a fuga da realidade fosse simples.
Não há desejo de fugir. O que eu quero é superar este momento de paralisia, de sentir que o tempo escorre pelos meus olhos como lágrimas que não chorava há anos. É como um luto pelo eu que não aprendeu a ser outras coisas a não ser um estudante, um filho, um jovem em início de carreira e um entusiasta da humanidade além das telas.
Um médico que consultei esses dias me disse algumas coisas que guardei. Eu estava sentindo uma angústia que se tornou raiva. Deitado na maca, sem nenhum eletrônico por perto, acabei me concentrando num ponto fixo no teto e todo o sentimento ruim foi se desfazendo. O médico então chegou e perguntou o que eu tinha. Contei para ele sobre um caso que havia acontecido e que despertou esses sentimentos. Depois que terminamos os procedimentos, ele me falou: "sabe quem é a mãe da raiva? A frustração. E quem é o pai dela? O otimismo".
Faço parte de uma geração em que foi nutrido um otimismo sem precedentes em relação aos rumos da humanidade e ao poder transformador da educação. Nenhuma dessas expectativas, no entanto, tem se concretizado em oportunidades condizentes com aquilo que se prometia ou que era realidade em outros tempos. A frustração disso se torna solo fértil para fazer brotar os sentimentos ruins e asfixiar sonhos, desejos e planos.
Não é possível sequer fazer planejamentos concretos diante do grau de incerteza e de caos em que estamos vivendo. Os níveis de exigência dos mercados também não correspondem ao retorno, tanto financeiro quanto de bem-estar. A velocidade do tempo produtivo também já não acontece numa escala humana. Ela busca que emulemos as máquinas, o que demandaria excluir toda e qualquer forma de subjetividade do nosso fazer, do nosso existir.
Me incomoda profundamente não conseguir enxergar um futuro bom, principalmente no curto prazo. Mas é pior ainda não estar vivendo o agora em celebração. Parece que toda forma de comemoração seria falsa. O que eu poderia celebrar se me sinto na merda? Se não enxergo para onde posso ir? Muito menos para onde quero ir...
Apesar de abstrato, parece que sei mais concretamente o que eu não quero, enquanto meu nebuloso querer continua precisando de mais alguns meses para estar desenhado no horizonte. Ainda assim, tenho uma prece ao divino: quero muito voltar a viver no meu tempo. Viver! Não só sobreviver! Poder encontrar as pessoas, ser gentil, dar e receber colo, rir, brigar, chorar perdas e comemorar vitórias. Ter o tempo para amadurecer amores e para recuperar das dores. Quero que esse tempo não seja só dos outros, que eu possa aproveitá-lo também. Eu quero um tempo novo para poder chamar de meu.
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