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Não se embala a vida pra viagem

Tem muita gente que não gosta da forma como falo por metáforas. Às vezes nem eu mesmo sei aonde quero chegar com elas. Prometo que neste texto será diferente. Primeiro porque será uma coisa mais palpável. Segundo porque, como diz o título, não embalarei numa viagem. O mais importante aqui é saber que, pela primeira vez em um texto meu, estou me direcionando a você, criatura que parou para ler esse parágrafo que mais parece uma nota, e que, se lê meus textos com frequência, também não merece ser embalado para viagem.

Estava então num momento de comer um delicioso prato que eu amo. Amo tanto que pedi mais do que poderia comer numa refeição. Acontece que quando se trata de fome, assim que você começa a comer ela vai diminuindo, diminuindo, até que você começa a se sentir cheio (a), e, posteriormente, triste (daí os nomes das minhas receitas fantasticamente grandes: o famoso X-Tristeza e a Lasanha da deprê). O que ajuda na hora de se comer é que sempre há a possibilidade de embalar para comer depois. Isso é, se você estiver disposto (a) a parar de comer aquela maravilha, mesmo estando empanzinado (a).

Digamos que você peça para embalar. Leve a comida para casa, deixe na geladeira. Espere ansiosamente para comer aquilo de novo, no mesmo dia ou posteriormente. Vamos então às opções do que pode acontecer com a sua comidinha:
1 – Ela ficará com um gosto ou textura bem diferente do que você estava sentindo quando estava com muita vontade de comer e você não vai gostar muito;
2 – Ela estará estragada, seja porque você a guardou por tempo em demasiado, num local inadequado (algumas comidas têm que ser congeladas para a posterioridade) ou porque não foram feitas para comer depois;
3 – Ela pode ficar bem melhor que antes (vide pizza fria do outro dia, para os que sabem apreciar essa especiaria).

Viu como é complicado? São tantas opções que a comida pode adotar que às vezes é complicado decidir se a gente pode deixar o restante pra depois.

Agora, pensando um pouco, as situações da vida tendem a se parecer com a comida: tem aquelas que estragam, as que ficam insossas e as que ficam ainda mais gostosas depois de um “tempo de geladeira”. Em todo caso, a vida em si é um prato principal que não se pode desperdiçar nem os ossinhos. 

Os acompanhamentos então são magníficos. Claro que tem uns ou outros que não combinam e que podemos não usar e passar para outros. Sim, acompanhamentos. Pessoas. Outras vidas que complementam o seu prato principal e fazem de você um belo acompanhamento para o prato principal delas também. Ou não.

Tá, a vida então é um prato principal não desperdiçável. E qual o problema de embalá-lo para comer depois? Ora, veja. Há três possibilidades para a vida embalada assim como para as comidas embaladas, e uma delas é aparentemente boa. Imagine só, guardar a vida para aproveitar depois e senti-la como se fosse a pizza fria do dia seguinte. Que alegria seria acordar numa manhã, quando já aposentado, e ver que tem um belo patrimônio para desfrutar, sem obrigação alguma mais. Uma delícia adiada. Mas e o sabor, a textura e a incompreensível sensação de quero mais que só um belo prato feito na hora tem? Aposto que não é por uma pizza fria que a sua fome pede quando quer comer pizza.

Acontece também com a vida: as coisas que você quer muito fazer e acaba adiando nunca serão aquilo que você queria quando tentar fazer mais para frente. Sua juventude precisa das suas paixões para persistir. Seu corpo precisa da juventude para se sustentar. E quanto mais avançamos no fluxo natural das coisas, é de mais juventude que se precisa para mantermo-nos sãos e fiéis a nós e a quem nós amamos. A juventude então “não é um período da vida, mas um estado de espírito, um efeito de vontade, uma qualidade de imaginação, uma intensidade emotiva, uma vitória da coragem sobre a timidez, um gosto da aventura sobre o amor ao conforto”. É, portanto, a força-motriz, a qual o General Mac. Arthur descreve acima e diz que rege o encontro de alegria no “jogo da vida”. 

A juventude não tem nada a ver com as modinhas, o status quo ou a vontade coletiva de um conjunto de poderes que pregam uma ordem mundial. Isso daí é coisa do merchan. A juventude caga e anda pro merchan. Ela se preocupa mais se o produto que ela quer é bom e se ela deseja tanto ao ponto de gastar algum tempo da vida para juntar dinheiro para comprar aquilo. A juventude também compra ideias, e essas são um pouco mais caras que os produtos, porque gastam mais tempo da vida para serem defendidas. Tempo esse que poderia estar sendo gasto fazendo coisas mais importantes, como por exemplo, matar a saudade de um amigo, um irmão ou um amor.

E sim, esses são os mais importantes acompanhamentos da vida: os amigos, os verdadeiros, os que são “Friboi” e/ou “que valem por um bifinho”. Os irmãos, que são mais que amigos. Eles podem ser de sangue ou você fingir que sejam. Eles choram com você, e você com eles. Eles amam com você, e você com eles. Eles brigam com você, e você por eles. E vice-versa. Não poderia me esquecer dos amores. Além do incondicional amor de mãe e de pai, dos lindos parentes que você consegue conviver amorosamente, do vô e da vó, dos primos que você bate ou batia e tomava uma porrada logo em seguida, tem dois outros amores que são primordiais.

Primeiro, um amor divino que te redime quando você está na mais alta carga. Ele te livra desse peso todo e te permite recomeçar, mesmo que você esteja no fundo do poço. E aí você é capaz de achar o outro amor. Este já é um pouco mais complicado, já que é um ingrediente raro na receita da sua vida. Afinal, é aí que você tem que começar a misturar os pratos. Um amor que você tem que aproveitar cada garfada. Cada gole. E pedir mais.

Então, se você chegou até aqui, provavelmente refletiu sobre o título e o texto. E talvez tenha percebido que vale mais a pena engasgar, empanzinar, arrotar e recomeçar com a vida do que guarda-la para depois. Viver é uma arte que não pode ser adiada. É uma tela em branco que não aceita tinta em aquarela de tinta seca. A menos que você invente de “desenhar um camaleão” em branco, sem atender o que pulsa do seu ser, você tem que arriscar com as cores que lhe vêm. 

E assim, sempre que lhe perguntarem como está sua vida, você poderá dizer “deliciosa”, afinal de contas, se esta não fosse que sentido faria saboreá-la a todo o momento? 

Tempere sua vida com o que há de melhor. Escolha os melhores acompanhamentos - aqueles que te dão mais prazer e mais combinam (até mesmo se fizer um agridoce) - e saboreie cada momento num longo “Hmmmmmmmmmmmmmmmmm”. Sirva (se) sempre quente.


Comentários

  1. Waleriano Lima20:04

    Ótimo texto, parabéns Lucas!

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  2. Nicole Amorim05:50

    Texto maravilhoso! Parabéns, mozão. Amei ♥

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  3. Então. Dps de todo esse texto só me resta ir comer! Fui!
    Tá excelente o texto nego!

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  4. Maravilhado com o texto, Lucas. Tema, escrita e plot magníficos
    PS.: Amo metáforas

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