Era tarde. Quase noite ou quase madrugada. Era horário de verão, então não dava para saber. Além disso, não estava mais em casa. Talvez estivesse em outro fuso. Em outra esfera cósmica. Noutra dimensão, em outros tempos, em outras possibilidades. Sentia ao mesmo tempo tudo (aquele turbilhão de coisas que borbulhavam do interior do meu peito, gatilhos de sentimentos, e da mente inquieta, que ia e voltava como se estivesse incendiada) e nada (completa solidão e mansidão; paz plena e sentimento de completude; como se tudo estivesse bem). Queria ter alguém por perto, mas também imaginava o quanto aquilo poderia atrapalhar a minha paz e silêncio. Parece paradoxal?
Me perguntava qual era o balanço daquilo tudo. O que estava querendo comigo, com os outros e com a situação. Não, eu não estava em crise bipolar. Nem era chilique. Era só um momento de tensão no paraíso. Quem nunca parou pra pensar na vida enquanto estava de férias? Faz parte do "não fazer nada". Mas dá um frio na barriga enorme esse negócio de perder de vista aquela possibilidade que você idealizou tão bonitinha. Foi justamente isto que aconteceu: o estômago começou a revirar e a sentir como se tivesse sido socado por uma mão invisível. Não dá pra revidar.
O céu estava bem escuro, mas ainda assim estava bonito de se ver. Tem algo no céu que não dá para explicar. Ele me atrai involuntariamente em momentos de conflito e, de repente, nada mais faz sentido. Tudo vai embora com as nuvens e suas formas distintas que se remodelam com o vento. Nessa noite não foi diferente: o céu me chamou e em pouco tempo aquela tempestade que trovejava em mim se foi nas nuvens que cobriam as estrelas, que, mesmo com o céu sombrio, criavam um belo véu em tons claros no firmamento. Foi quando respirei fundo e sorri.
Abaixei um pouco a cabeça e olhei para o monitor. Ali estava uma foto minha, numa rede social como tantas outras que passei a semana futucando e me distraindo, vendo gente e crenças que não conhecia nem tinha adotado como familiares. E outras que tinha. Mas nenhuma delas conversava tanto comigo quanto a minha, que me olhava nos olhos e sorria. Olhos nos olhos e um sorriso. Era exatamente a mensagem que eu queria receber. Vinda do lugar que não tinha pensado em procurar ainda: de mim mesmo. Num reflexo estático. E nele a carta que esperei receber de outrem.
"Essa mensagem é para você,
que sorri para as flores,
que abusa das cores,
que admira os cães,
que afaga os gatos,
que observa os humanos.
Você, que tem a língua em repouso,
um grande nariz e ouvidos atentos.
Se reflito o que ouço,
transparece a sua aura,
seu ser se mostra em cores indecifráveis.
Da cor dos teus olhos,
que quando de longe,
não permitem distinguir
se devo fugir ou contigo sorrir."
Olhos nos olhos. De perto. E um sorriso. Ou vários.
Comentários
Postar um comentário