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O encontro entre Aslan e Peter Pan



Quem já leu ou assistiu a série "As Crónicas de Nárnia" sabe muito bem quem é o leão mais maravilhoso que já pode existir no multiverso da literatura fantástica dos britânicos do século XX. Muitos já tentaram teorizar o que o Clive quis dizer com tal personagem, mas ninguém consegue chegar mais perto disso do que a criatividade e cada pessoa no momento que recebe a obra de presente.

Como disse o próprio Aslan, ele está presente também no nosso mundo, mas talvez o reconheçamos de outras formas. E é aí que entra o diálogo entre Aslan e Peter Pan. Este é outro personagem da bela era dos britânicos que criaram mundos além dos muros e barricadas erguidos pelas guerras. Posso dizer que CS Lewis, JRR Tolkien (mais tarde ele fará uma participação especial) e JM Barrie marcaram época ao trazer novamente a magia e o despertar de novas fábulas para os corações daqueles que já haviam sofrido o velho "desencantamento do mundo" (WEBER), perdendo familiares, amigos, posses e sofrendo as mazelas que a vida de adulto traz e não nos permite visualizar de uma forma mais singela, como nos olhos de uma criança. 

Cá entre nós, os britânicos sabiam fazer fantasias mirabolantes, principalmente os escoceses e a paixão que tinham por viajar e serem livres. Deve ser por isso que Peter Pan, cria de escocês, estava voando pelo céu noturno em busca de diversão, e, talvez, companhia. Ele tinha algo a se admirar: Peter Pan não queria crescer. O interessante é que essa força de vontade de permanecer jovem e com as habilidades de uma criança, de se permitir sonhar, voar, acreditar em fadas e de ser autossuficiente faziam de Pan um exemplo a ser seguido, principalmente pelos garotos perdidos. Com tudo isso, Pan podia alcançar as nuvens de forma tranquila, entrar e sair sem ser percebido e realizar grandes feitos aventurosos com um prazer e realização enormes.

Eis que ele descobriu uma família cujas crianças haviam crescido, foram obrigadas a cuidarem de si mesmas e não puderam alcançar os mesmos poderes que ele. Ele quis muito ir investigar. Estavam lá as quatro primeiras crianças que entraram em Nárnia. Os grandes reis e rainhas que tiveram de voltar pois havia chegado a hora de deixar a terra mágica. Para Peter aquilo parecia cômico, pois se eram crianças, como ficariam naquela tediosa vida humana ao invés de permanecer na terra em que governavam e podiam se divertir da forma que desejassem? Além do que, quem é que lhes dava ordens de permanecer ou deixar o lugar que era deles por direito? Um adulto?

Peter começou a adentrar a casa. Já havia passado o primeiro pé lentamente, mas foi surpreendido quando um rugido baixinho sussurrou atrás dele e depois veio dizendo:

- O que está pensando em fazer, Peter?

Assustado, ele olhou para trás já sacando sua adaga, girando o corpo em movimento defensivo, mas ao se virar, ficou chocado com a beleza daquele leão que estava ali, flutuando juntamente com ele (deixo a cargo de você, leitor, escolher como o Aslan se parecia e de que forma ele estava flutuando, seja que nem o Mufasa na conversa com o Simba ou de qualquer outra forma). Aslan sorriu levemente e voltou a questionar:

- O que acredita que está acontecendo?

E Peter, que já havia lido sobre Aslan, parou um pouco e disse:

- Esses garotos... Eles não podem ficar assim. O que fez com eles?

- Não fiz nada. A escolha era apenas deles. É correto afirmar que era chegada a hora de cada um partir e não retornar a Nárnia. Um dia os encontrarei no meu País. Até lá, acredito que poderão aproveitar cada fase de suas vidas, com todos os seus sabores.

Inconformado, Peter questionou:

- Mas quem define a hora certa de ir ou voltar deveriam ser eles, não você.

- Justamente. Mas eu existo para que eles possam ter essa escolha. Imagine se ficassem eternamente encantados em Nárnia e não pudessem exercer e aprimorar seus dons num outro plano? Estariam condenados à eterna condição de reis e rainhas. Não poderiam ser mais do que isso. Aqui eles puderam recuperar a juventude e desabrochar mais uma vez, contemplando as infinitas possibilidades da própria existência. - respondeu Aslan.

- E se o destino deles fosse justamente serem reis e rainhas? Se a ideia de uma vida de aventuras em castelos e bosques fosse o que eles realmente nasceram para viver? Não estaria sendo como um adulto que obriga as crianças a crescerem e perderem a Terra do Nunca? - indagou Peter Pan aflito.

- Pode ser que haja esta rota, Peter. Mas ela não é a única. Um velho amigo da Terra Média, um ser tão pequeno quanto os teus garotos perdidos um dia não se conformou com a comodidade de seu povo e partiu em uma jornada guiada por um mago e alguns anões. Em seu próprio nome ele estaria premeditado a ser um simples Bolseiro, mas de repente, lá estava ele partindo em uma grande jornada em direção a terras que nunca havia explorado antes. Bilbo passou a desenhar mapas e a escrever histórias. Ele teve opções, Peter. Poderia ter continuado em sua casa manufaturando ou se desprender daquilo que lhe parecia confortável, um único dom e descobrir, além de outras paisagens, buscar em si mesmo tudo aquilo que poderia florescer. A questão não é quem oferece, muito menos o que é ofertado, mas aquilo que se realiza com as escolhas que são feitas.

Peter olhou ao redor, resolveu voltar seu pé para fora da janela. Ainda estava confuso com o que acabara de ouvir, mas recebeu tudo de bom grado e agradeceu ao Aslan pelo que acabara de lhe ensinar. Não importava mais que os garotos estivessem crescendo, eles já haviam tido mais de uma oportunidade de permanecerem crianças. O que valia agora era acreditar que iriam desabrochar com habilidades novas e exuberantes, que poderiam fazer toda a diferença entre permanecer ou não como uma criança: cheia de vida e em constante aprendizado.

Quando Peter se virou para despedir de Aslan, este já havia sumido, como de costume, e ele continuou seu voo noturno em busca de outras flores para admirar.

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