Por vários dias tenho lido coisas que me assustam: jovens morrendo nas festas que acontecem ao lado, gente correndo por todos os lados para tapar rombos orçamentários, correndo com matéria porque ela é grande demais para dar conta numa disciplina só (oi?), xingando o governo porque os preços aumentaram enquanto aumentam também o consumo e o crédito para dar conta desses aumentos. Aumenta também o medo. Com o medo aumenta a dor. Com a dor vêm as doenças. Ou vice versa. E a gente chega na única coisa que não aumenta: a capacidade humana de enxergar a sua responsabilidade nisso tudo. Não há inflação que faça com que a pessoa aceite que, por inércia ou por inaptidão, a vida dela está como está porque escolheu estar assim. Até porque ela não está vivendo a vida dela, ou está?
Quem se afasta do presente começa a vislumbrar possibilidades e projeções no que está em volta. Observa um terreno e imagina o quanto ele pode valer daqui alguns anos, ou a casa que vai poder construir ali e "viver feliz". Se nesse terreno tiver uma flor rara e de beleza deslumbrante um pouco escondida no meio de alguns matinhos aquela pessoa simplesmente não vai apreciá-la, pois está exagerando para o futuro. Da mesma forma, quando vemos as crianças ou os jovens e tentamos fazê-los escolher algo para ser quando crescerem. Parece uma pergunta ingênua e até positiva, mas é extremamente complexa! Perguntar à criança o que ela quer ser quando crescer é afirmar que, naquele momento, ela pode escolher o que será na idade adulta (e lá na frente outros exageros virão e dirão a essa mesma pessoa que não é bem assim) e aparentemente aquilo que está fazendo agora não significa muita coisa, pois o importante será saber o que ela quer ser quando crescer.
Aí nós crescemos. No ensino fundamental, olhamos para o Ensino Médio e ficamos boquiabertos: "como são legais! Mal posso esperar para chegar lá!" Então o tão esperado chega e - advinha só - VESTIBULAR! Afinal de contas, só será importante ou descolado (cult) ou reconhecido academicamente (socialmente tem outras formas de ser) se for para a faculdade. Até porque os caras da faculdade são top e representam uma pequena parcela da população (exclusividade, né?). Chegando na faculdade, você descobre que ninguém vai ligar para você enquanto não tiver pelo menos uma pós de mestrado para cima. Ou um emprego faturando muito (inclusive, como eu disse lá em cima, é um dos exageros que dizem para as crianças quando crescem e que não poderão mais ser aquilo que disseram que seriam, a menos que se encaixe no modelo padrão do momento, que vai afunilando cada vez mais - mais exageros).
Enquanto isso o tempo passa e percebe que só será respeitado quando for realmente velho, pois acredita que é assim que assim se consegue a sabedoria. Ficando velho, só depois de morto lhe darão valor, afinal de contas, "a gente só dá valor quando perde", e está cansado demais para dar conta (sou velho e me acham um estorvo).
RESUMO DA ÓPERA: em nenhum momento dessa história a pessoa viveu a vida dela. Ela criou projeções exageradas para o futuro (algumas vezes pode ter ficado nostálgica e voltado ao passado pensando em "como tudo era melhor antes") e esqueceu do EU e do AGORA. Afinal de contas, todas as projeções foram feitas a partir da experiência dos outros e do que se via dessas experiências. Das "vidas filtradas de Instagram e Tumblr" que elas vendiam. E no fim das contas colocamos a culpa nelas pela nossa vida artificial, ao invés de enxergarmos que somos nós que estamos tentando refletir onde não há espelho.
Lembro de algumas experiências legais que tive durante a minha caminhada na escola. Dessas, as que eu me recordo sempre com brilho nos olhos foram as que me enxerguei fazendo, naquele momento, tudo aquilo que eu podia fazer para realizar sonhos. Numa delas ajudei um amigo a continuar no caminho que ele estava traçando para si, com todos os recursos que eu tinha a minha disposição naquele momento: saliva, energia e persistência. Em outra, aprendi a fazer coisas que nunca havia imaginado que conseguiria fazer (e ensinar) tão rápido, tornando realidade um sonho de um grupo que nasceu ali (e não fazia projeções - não tínhamos ideia do quanto o projeto ia crescer, apenas fazíamos o que tínhamos nos proposto a fazer). Em todos esses casos, eu havia me jogado na vibe do momento totalmente. E não queria saber aonde ia dar, só sabia que estava fazendo exatamente o que eu podia (e gostaria) de fazer naquele momento.
Acredito que é assim que a vida fica mais leve: se a gente para de consumir a complicada vida dos outros e aproveita cada parcela da nossa no momento certo (que é agora!), sem querer superar, muito menos menosprezar. É só se permitir sentir tudo isso. Dar um tempo na sua voz interior (ou nas várias vozes que ecoam dentro de nós) e dizer: "calma, tá tudo bem. Vai dar uma volta que eu me cuido." Para exercitar isso (eu sei, eu tento todos os dias; é difícil) a gente precisa se afastar um pouco de tudo e se reconciliar consigo. Simples de coração. Então aí se percebe que todo resto é excesso e que não tem para que carregar (e se estiver difícil de se livrar por conta própria, tente compartilhar - o importante é desatolar).
'Maybe we found love right where we are'
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