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O inverno em Junho (un gitano corazón)




A história que mais contei no mês passado e no início deste é sobre a minha busca pelos rastros dos meus antepassados. O meu sobrenome é algo que marca bastante quando alguém me conhece, pois trava a língua da grande maioria (e engana quando não dá para ler). Não é comum, nem mesmo entre aqueles que vieram de fora.

No Brasil, a minha família é a única que carrega esse sobrenome (temos um ascendente em comum, meu bisavô) e que sofreu adaptações ao longo do tempo, o que fez com que algumas ligações fossem perdidas com as origens. Diziam que éramos descendentes de espanhóis, o que de fato somos. Mas pesquisando um pouco mais (e juntando as informações que já tinha), deu para descobrir que a família tinha sua raízes no extremo sul da França (e que tinha acento no 'e'). Além disso, os Berdagué eram ciganos que se deslocaram para o oeste e para o norte. Isso explica como eles chegaram à Espanha e a adaptação do sobrenome. Fora que, futucando um pouco mais no Google, encontrei remanescentes dos Berdagué na França, envolvidos em atividades acadêmicas e reconhecidos escritores. 

O sentido disso tudo é que há algum tempo senti que recebi um chamado. Com a minha idade transitando em era espiritual, minhas raízes começaram a buscar terreno fértil. Feliz eu fiquei quando descobri que o que eu amo fazer está também no meu sangue: conhecer lugares novos, me sentir vivo ao viajar, escrever sobre essas sensações e poder me transformar ao fazer isso. Como uma dança.

Os ciganos europeus carregam consigo um vasto arcabouço cultural. Por serem nômades, alguns grupos agregam caracteres de outros costumes e descartam aquilo que não faz mais sentido. Isso é mais comum nos grupos italianos e franceses, que são menos conservadores e tendem a esquecer da cultura antepassada. Fez tanto sentido para mim que estou abismado com isso até hoje.

O inverno de Julho foi frio. Muito frio. Um momento de interiorização e de preparativos. Como eu não assisto Game of Thrones, não consegui entender o bordão "Winter is coming", então dei de cara com um momento introspectivo e cheio de altos e baixos. Corri atrás de uma bolsa de pesquisa, em que meu projeto havia recebido o primeiro lugar dentre os concorrentes do Departamento, mas recebi um não por não atender um dos requisitos. Passei mal justamente no dia em que faria uma viagem que estava ansioso para fazê-la, para reconectar com a natureza. Fui convocado para outro curso, em outra faculdade, na cidade que eu mais quero morar, mas que não pude ir, porque as condições não me permitem fazê-lo agora. E no fim das contas, estava muito feliz, pois dentro das minhas possibilidades eu havia feito tudo aquilo que eu mais queria. Just like a gypsy.

Escrevi um artigo maravilhoso, colocando para fora todas as minhas ideias e conectando pontos; produzi um novo conceito; me reconectei com boas energias e com meu anjo da guarda; estive presente e celebrando cada vitória e derrota que me aparecia, agradecendo as dádivas divinas de poder aprender com todos os momentos vividos.

E o melhor de tudo: permaneci genuinamente gentil e autêntico comigo mesmo e com as pessoas ao meu redor, me permitindo descartar aquilo que não faz mais sentido e acolhendo as boas novas que vão surgindo. Um dia de cada vez.

Nos versos da Shakira, em espanhol:

Y va liviano
Mi corazón gitano
Que solo entiende de latir
A contramano
No intentes amarrarme
Ni dominarme
Yo soy quien elige
Como equivocarme



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