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Quando falta amor

Sabe aqueles dias em que tudo começa bem estranho? Quando você acorda alucinado e se perguntando "onde estou?", "o que estou fazendo aqui?", "como vim parar aqui?", "o que é que eu estou fazendo mesmo?" (algumas vezes também rola um "quem sou eu?" ou "por que tá tudo girando?", mas isso é num contexto totalmente diferente e em outro nível alucinógeno). Este foi um dia assim. Posso contar como foi?

Acordei em desespero com o despertador tocando incessantemente. É a única coisa que consegue perturbar meu sono profundo e me deixar desnorteado morando sozinho. Levantei meio sem entender o que estava fazendo e cambaleando para desligar o alarme que estava em outro cômodo, o que me obriga a levantar da cama e andar todos os dias. Geralmente, depois de desligá-lo, eu volto para a cama e me deito novamente por causa do frio e para refletir um pouco sobre o que vou fazer durante o dia (na maioria das vezes, quando vou dormir tarde, acabo cochilando por mais meia hora nesse processo). 

Desta vez eu até voltei para a cama, mas simplesmente não dormi, muito menos conseguia colocar em ordem o que teria para fazer neste dia tão puxado. Na verdade eu estava me fazendo aquelas perguntas lá em cima e as respostas não saiam muito bem. Não é porque eu simplesmente não sabia, mas porque constatar um óbvio dessaboroso não é uma experiência prazerosa. Engoli aquele amargo e resolvi levantar de vez.

Fiz meu rito matinal: preparei minha vitamina, tomei um banho, ouvi uma música ou outra, li algumas coisas, me preparei para fazer meus exercícios e... acabei deitando de novo. Não, eu não costumo deitar de novo. Geralmente pego minha garrafinha de água e vou para a academia super energizado. Mas estava tão perdido que fui de novo para a cama. O que é que estava acontecendo!?

Como eu não podia me deixar vencer por seja lá o que fosse, levantei, olhei o relógio (que por sinal já era mais de uma hora além do meu horário programado para fazer os exercícios) e calculei se daria tempo de ir, fazer minhas séries de exercícios e de atender ao compromisso seguinte. Fui na fé.

Depois que terminei, a vibe da abundância fez sua magia e me colocou na hora certa, com os recursos certos, então consegui chegar no outro compromisso a tempo. Cheguei lá exausto, com sono e um pouco abatido. Não, não foram os exercícios que eu fiz. Foi aquele gosto amargo que eu engoli mais cedo que ainda estava meio entalado, indo e voltando. Aquilo estava me tirando o prazer do momento de conhecer uma pessoa incrível que estava se apresentando e pedindo correspondência. Novamente tentei deixar isso de lado e colocar minha atenção de volta em quem merecia. Ainda assim, não consegui interagir como queria. Eu ansiava por corresponder, mas havia algo me segurando.

Mais tarde, se aproximando do fatídico e inevitável momento de um encontro desagradável, ouvi de relance várias pessoas e suas conversas. Algumas falavam de concurso, outras de notas e tarefas, tinha gente que falava sobre artigos e teorias jurídicas (ou coisas do tipo) e tinha gente que falava de crenças. Uma delas não acreditava no amor.

Um dos eixos das minhas últimas leituras tem a ver diretamente com amor. O que os ocidentais chamam de amor, como das relações entre casais, não é bem o que alguns orientais consideram como amor. Amor, para alguns (e particularmente gosto da ideia destes), é o que forma a existência. Tudo seria feito de amor e tudo seria energizado também por amor. Não seria um mero sentimento, mas uma condição de vida. Aquilo que gera a harmonia e o balanço no Universo. A falta de amor seria então um oco existencial, o vácuo, aquilo que apaga o traçado da linha da vida.

Perceber que alguém não acreditava no amor (e que tinha em mente apenas restritas situações amorosas) foi como um estalo. Eu entendi o que estava acontecendo. O que era aquele amargo que tentei engolir. Eu não estava colocando amor no meu dia. Nem naquilo que eu estava fazendo. Por mais que me obrigasse a fazer as coisas, não era mais do que uma obrigação. Era um piloto automático de hábitos que não estavam fazendo sentido.

Despertar para isso me fez começar a refletir. Refleti sobre aquelas pessoas, refleti sobre o que eu estava fazendo, sobre os encontros inevitáveis que eu não queria ter, sobre o que eu estava fazendo ali e o que poderia fazer para estar inteiro e autêntico, mesmo nessa situação inevitável (e se ela é mesmo inevitável).

O gosto amargo foi passando lentamente e no seu lugar estava sentindo um frescor, algo doce como um sorriso e um rosto corado. A energia aos poucos foi voltando e, de repente, me vi inclusive correspondendo (e iniciando) interações. No fim das contas, saí de lá terminando o meu rito diário: liguei minha música novamente e dessa vez fui ouvindo alto, acompanhando cada verso e nota, subindo e abaixando o volume de acordo com o momento (e cantando junto).

Quando falta amor as coisas começam a perder a cor. Os orientais têm razão: amor tem tudo a ver com energia e matéria. É a incrível dualidade onda/partícula. E funciona pela fé. Isso os orientais também dizem. "Love is god". Uma completa inversão do que é massivamente divulgado por aí.

Amor, segundo os ensinamentos do Osho, é a face externa da plenitude humana. No seu interior, você medita. O amor você transborda. Compartilha. Colore. Cria. Cultiva. Cativa.

Compartilhar este momento foi a forma que encontrei de me reencontrar com o amor. As perguntas lá em cima já não preciso responder. São rasas. Não acrescentam. A questão agora é: "como foi que eu transbordei hoje?"



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