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Eu escolhi esperar

Este texto não fala sobre sexo, doutrina, fofoca ou religião. Nem sobre campanhas que envolvem tudo isso. Também não fala sobre o David Luiz ou da Seleção Brasileira na Copa de 2014. Muito menos fala sobre a fila pra comprar o novo iPhone ou o tempo para a aposentadoria.


Há quase um mês sofri uma lesão chata no meu ombro esquerdo. Não tinha marca alguma para distinguir se foi uma pancada ou se havia dado um jeito. Mas não era só no ombro: outra região próxima foi afetada e ninguém conseguia distinguir onde estava a origem, o que havia acontecido, qual (ou quais) parte(s) do interior havia(m) sido atingida(s). Isso me fez parar com os meus exercícios diários, o que diminuiu minha energia e, por consequência, levou a lesão ao único lugar que tinha certeza que havia sido acertado em cheio: minha cabeça.

Fiquei enlouquecido nesse período. Cabisbaixo, confuso, perdido numa rotina que não era minha, mas que se parecia. E junto com isso um turbilhão de sensações horríveis das quais achava que já tinha me livrado. Minhas amizades de verdade perceberam esse movimento para baixo, mas provavelmente não conseguiram entender o que estava por trás disso. Nem eu.

Conforme ia fazendo minhas sessões de fisioterapia para poder voltar à ativa, eu estava ansioso (de forma tanto negativa e quanto positiva), sobrecarregado de ideias e possibilidades e "a vida" estava me exigindo muito. Foi um sufoco! Parecia que tinha sumido e apertado o botão de Fast Foward do controle do Click, aquele filme com o Adam Sandler. Pois é, todo mundo que assistiu sabe que dá merda.

Como queria voltar logo ao normal, fui tentando burlar o tratamento exclusivo na fisioterapia, o que - obviamente - gerou sequelas: dias de dor e mal-estar, seguidos por cargas de desespero de quem faz uma merda e não pode esconder, senão piora. Isso durou algum tempo até que consegui me disciplinar e retomar uma rotina de treinos.

Corpo são, mas a cabeça... Sabe quando a vida tem uma lição para ensinar e a gente finge que é aquela aula de slide paradona e deixa para prestar atenção só quando for estudar para a prova? Isso define.

Ainda fiquei cozinhando problemas e dúvidas na minha cabeça, só que agora soltando vapor. Às vezes acaba queimando um ou outro no meio do caminho, mas é preciso deixar sair. E muito vapor foi liberado! Estava finalmente me sentindo mais vivo e conseguindo liberar toda aquela tensão que estava acumulada no físico.

O Osho tem um ensinamento sobre o stress sensacional. Ele diz que quando estamos estressados o corpo está se preparando para uma batalha, acumulando energia. Não devemos tentar relaxar quando estamos estressados, mas sim gastar a energia de forma criativa e autêntica. Depois disso, o corpo tende a ficar leve e você pode apagar por três dias tranquilamente. No meu caso, foram 4.

Após toda essa fase de ebulição, lá estava eu, descarregado. E, de repente, era hora de parar e descansar, mas eu não entendi essa mensagem. Foi então que, por força do jogo celeste, eu fiquei doente. Fui obrigado a dormir. Descansar ao máximo. Me forcei muito para não aceitar a doença que estava aqui, mas quanto mais você faz força, mais ela revida. É a lei de Newton. Não lembrava dela porque meu curso é de humanas.

4 dias forçando a barra e sendo revidado de forma brutal. Até que, no último dia, eu resolvi aceitar e me dar esse tempo de boas. No dia que meu corpo me obrigou a ficar nesse estado baixando minha pressão, me fazendo nem conseguir subir as escadas direito e suplicando para que eu saísse daquela hostilidade toda para contemplar o som do silêncio enquanto analisava como estava minha respiração (muito fraca e difícil, por sinal).

Nesse último dia, eu escolhi esperar. Não esperar o casamento para fazer loucuras com alguém, nem esperar o dia da minha aposentadoria para aproveitar o dinheiro que eu possa juntar. Escolhi ali, naquele momento, esperar o tempo que eu precisava para fechar as feridas da última batalha e poder olhar suas cicatrizes, porque nelas estão os ensinamentos e as histórias que eu realmente quero contar.

Cuidar dessas feridas faz muito mais sentido do que avançar para outra batalha que não é minha, que não me sinto gerando energia para lutá-la. Se o meu sábio corpo não tem o menor interesse em entrar nessa briga, eu realmente não preciso dela.

Contei para o Marc, do PROVE, uma piadinha que fizeram comigo sobre a pulseira do movimento na qual está escrito "PROVE   por que não? :)". Me perguntaram se era tipo "Eu escolhi esperar" e eu respondi que era, só que ao contrário. Dessa vez estou provando a espera. Acho que valeu a pena. Por que não?


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