A história de hoje é sobre um cara que eu conheci aqui em casa há mais ou menos um mês. Algumas coisas em comum, mas como somos diferentes!
Matheus é um cara bacana. Menino pacato, estudante de Direito, ele mora num apartamento alugado pelos pais num lugar super bem localizado para que ele tenha conforto e consiga estudar em paz, sem se preocupar com barulho de festas, bagunça desnecessária ou qualquer coisa que possa atrapalhar o bom rendimento nos testes pelos quais ele tem que passar diariamente neste mundo jurídico cheio das interpretações, letras de lei e correntes doutrinárias, coisas que importam e caem na prova dos concursos.
A propósito: Matheus é mesmo um cara que estuda. Mas ele sabe ser objetivo e estudar realmente o que faz sentido estudar: questões jurídicas. As críticas que ele faz ao curso é que os professores embalam em algumas coisas que não têm nada a ver e que não vão importar na hora que o examinador te pedir para responder uma questão objetiva. Esse negócio de ficar pensando, divagando muito não dá certo. Tem que ser bem incisivo. Direto ao ponto. E não me venha com Direitos Humanos, sociologia, antropologia. Filosofia e economia então, Matheus corre léguas, principalmente se tiver matemática no meio.
Ele é tão focado que não gosta de papos muito cabeça, de quem 'frita' com teoria política, livros e mais livros de história, filmes cult e documentários. Mas se vierem falar bem do governo perto dele, sai de baixo. Com certeza que ele vai alcançar com a panela. Não consegue admitir quem não vê a realidade do país! Não consegue perceber a inflação? O preço das comidas, dos drinks que ele costumava comprar para aliviar a tensão do semestre pesado (afinal de contas, tem que beber pra afogar as mágoas e relaxar de vez em quando, né? Pelo menos uma vez no mês, talvez num final de semana). Olha o dólar então!
Falando em dólar, recentemente Matheus foi para a Disney. Trouxe de lá algumas coisas de lembrança, como porta-balas do Star Wars. Ele ficou muito feliz de ter ido e poder reviver um pouquinho de infância que ainda resta no seu coração. Esses lugares são especiais, não é? Fazem a gente lembrar de algumas coisas que são tão gostosas. Mas a vida, para Matheus, não é assim. Ela é bem dura. Por isso que, todos os dias, se esforça para que seja um bom profissional e consiga passar num concurso pra ganhar bastante e ser respeitado. Mas se não der certo, ele fará a prova da OAB e, qualquer coisa, vai advogando até passar. Afinal de contas, não existe almoço grátis e estabilidade é muito importante. Para te dar segurança e ser alguém na vida.
Matheus não tem tempo para praticar qualquer tipo de exercício físico regular, porque precisa estar pronto. Logo mais ele vai formar. Isso não impede que ele fique com uma ou outra gatinha nas "festas open" que ele vai, afinal de contas, ele é da 'direitoria'. Muitas vezes fica com gente da própria sala ou do próprio curso, porque as festas que costuma ir são mais as que o pessoal do curso faz, sem se misturar muito. Chega lá, bate uns papos sobre as provas, as aulas, dá risada dos causos dos professores ou de coisas que acontecem nos estágios, bebe pra caramba até ficar tonto, mas sem dançar para não pagar micão. Depois vai pra casa passar mal e reclamar da ressaca, mas tudo bem.
Matheus é uma figura. Ele não existe.
E não existe mesmo.
'Matheus' foi como um senhor que veio ver o apartamento onde eu moro para comprá-lo me chamou no dia seguinte em que me viu na rua. Ele não lembrava meu nome. Quando veio aqui, ele resolveu fazer deduções sobre quem eu era e o que eu tinha feito a partir do curso que eu disse que fazia, das coisas que eu tinha de decoração na minha casa e de outras coisas que ele me perguntava e que eu respondia, sem que ele prestasse atenção, e que acabava deduzindo errado e perdendo o interesse em saber (como se tivesse algum). Ele tentou ser simpático e não empático.
Não estava tentando estabelecer uma conexão honesta e por isso assumiu julgamentos sobre o que eu era e o que queria ser a partir da visão de mundo dele, já que era formado em Direito e afirmava objetivamente que eu ia tentar concurso. Falou que eu tinha ido à Disney quando viu os presentes que eu ganhei da minha prima que deixei ornamentando a minha casa. Ele poderia ter feito de outra forma e me conhecido de verdade(e eu também), mas esse não era o objetivo dele. Ele estava aqui para ter uma visão superficial do apartamento e de quem poderia ser seu inquilino.
No fim das contas, do Matheus ali em cima eu só tenho o mesmo curso e o apartamento. De resto, acho que não conseguiria nem ser seu amigo. Tudo bem pra mim. Por aqui, já fui chamado, por engano, por muitos nomes: Matheus, Bruno, Davi... A gente carrega consigo estereótipos que não nos pertencem e que nem sabemos que carregamos. E quanto mais somos superficiais, menos nos livramos deles.
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