Pular para o conteúdo principal

Me dei licença

Já deu, não é mesmo? Um ano doido como tem sido 2016, com coisas do arco da velha acontecendo, que não se poderia prever nem na pior das hipóteses do ano anterior, a única coisa que não se quer é mais uma crise existencial batendo às portas.

Depois de um ano par com idade ímpar, cheio de mudanças, aprendizado, encontros e desencontros, bloqueios e pontes construídas (e destruídas), subidas e barrancos de emoção, é muito bom poder sentar, respirar fundo e perceber que "se eu soubesse antes, o que sei agora, erraria tudo exatamente igual", numa linguagem gessingeriana. Talvez mudasse um ou outro pequeno detalhe, apesar de que foram esses detalhes que trouxeram as maiores lições. Em várias áreas da vida, afinal.

Foi no início deste ano que me percebi um pouco perdido, mesmo após 2 anos trabalhando várias coisas com o coaching e minhas leituras. Tinha sido incentivado a viver intensamente, de forma autêntica, amorosa e desarmado, mas ainda não havia aprendido, na pura prática, como lidar com as dores da alta intensidade. É um pouco frustrante descobrir que as feridas que se abrem não se fecham com a mesma facilidade, nem mesmo retornam ao estado anterior. Toda ferida aberta deixa sua marca. E não tinha restado qualquer pedaço de armadura ali para segurar.

Outra coisa frustrante é não poder ser perfeitamente inabalável, sem descer ao fundo do poço ou descolar totalmente dos sentimentos negativos, do próprio lado sombrio. Descobrir que se pode fazer mal a alguém, mesmo sem querer, é MUITO RUIM, mas infelizmente não tenho como escapar dessa realidade. Havia percebido que há algum tempo comecei a me conectar novamente com as armaduras, armas e medos que tinha antes, a ficar mais agressivo. Talvez porque tenha sentido meu espaço diminuído ou pelo menos ameaçado. Mas não é algo voluntário. Não quero essa carga de novo. Estou aqui para errar e aprender. E pedir perdão.

O mesmo Sol que nos ilumina faz projetar as nossas sombras. E a escuridão da noite permite que vejamos as outras estrelas. A vida não se trata de um combate entre luz e escuridão, mas da beleza de perceber que uma aprende com a outra e reproduz o melhor de seu oposto para harmonizar a sua essência. Desculpem meu auto-plágio, mas essa frase nunca fez tanto sentido.

E sim, nesse tempo pedi muitas desculpas. Mais do que o homem médio faria, afinal não o sou nem pretendo sê-lo. Pedi desculpas inclusive quando não sabia ao certo se estava errado. Passei a fazer isso porque acredito no poder restaurativo das conexões e na desnecessidade de enaltecer o ego, o orgulho; mas, certamente, isso pode ser também uma válvula de escape em relação ao conflito e à reflexão sobre o que quero, de escolher com clareza, propósito e estando presente. Talvez por medo. Medo de perder as conexões, os prazeres. O medo de não ser mais digno de amar e ser amado (a propósito, esse é o tema do meu livro predileto, que voltou para mim um pouco antes do meu aniversário, ajudando com a minha reconciliação comigo mesmo e com o caminho para a redenção). O perdão, principalmente o que devemos a nós mesmos, é um tema profundo, amplo e cheio de nuances. Mas é como um rio. Ele flui e faz fluir.
Há alguns dias o Sol entrou em Escorpião e com ele trouxe toda a intensidade. Parece um pouco horóscopo, mas sinto que seja um momento de fazer escolhas profundas. De voltar para dentro, encontrar o que me nutre e poder desabrochar novamente. É um ciclo que tenho que aceitar. Altos e baixos. Momentos de felicidade, de raiva, de tristeza, medo, tudo isso é natural e é preciso aprender a lidar e a se cuidar enquanto acontece. Enquanto se vive o momento que está aqui, presente. Escolhendo qual é a música que se quer ouvir e dançar. O que se quer nutrir.

"É o que é. Colha o que foi bom. Se livre do resto." Me dei licença. Agora estou em manutenção. Os erros existem e consegui percebê-los (e agradeço a quem me ajudou nesse processo). É hora de reparar o que pode ser reparado.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não se embala a vida pra viagem

Tem muita gente que não gosta da forma como falo por metáforas. Às vezes nem eu mesmo sei aonde quero chegar com elas. Prometo que neste texto será diferente. Primeiro porque será uma coisa mais palpável. Segundo porque, como diz o título, não embalarei numa viagem. O mais importante aqui é saber que, pela primeira vez em um texto meu, estou me direcionando a você, criatura que parou para ler esse parágrafo que mais parece uma nota, e que, se lê meus textos com frequência, também não merece ser embalado para viagem. Estava então num momento de comer um delicioso prato que eu amo. Amo tanto que pedi mais do que poderia comer numa refeição. Acontece que quando se trata de fome, assim que você começa a comer ela vai diminuindo, diminuindo, até que você começa a se sentir cheio (a), e, posteriormente, triste (daí os nomes das minhas receitas fantasticamente grandes: o famoso X-Tristeza e a Lasanha da deprê). O que ajuda na hora de se comer é que sempre há a possibilidade de embalar

O dilema da filiação: uma crônica sobre as duas últimas eleições presidenciais no Brasil

 *Texto publicado originalmente no blog "O Dever da Esperança", em fevereiro de 2023. No final dos anos 1910, quase no encerramento da Primeira Guerra Mundial, Max Weber brindou a humanidade com uma conferência chamada “Política como vocação”. Algumas ideias centrais dessa obra, como o título pode sugerir, ajudam a delinear a compreensão sobre a atividade política e apresentam dois modelos éticos distintos: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. De forma bem sintética, o modelo da ética da convicção costuma ser o mais comum: as pessoas entendem que há “certos” e “errados” bem delimitados, geralmente movidos por dogmas, máximas ou crenças específicas. Por exemplo: não matar, não roubar, não acobertar um criminoso, não mentir, dentre outros imperativos, sobretudo do que não fazer. Há também aqueles positivos, mas que não necessariamente têm a mesma força para levar à ação: dar esmola e ajudar os mais necessitados, duas das lições mais apregoadas nas expressões reli

O dia que eu vendi o mundo

Há mais de um mês tenho a impressão de que não existe mais o que fazer em momentos matutinos. É como aquele buraco no ser humano que muitas vezes é preenchido pela religiosidade, só que na minha agenda. Um vazio que tem sido preenchido por discussões pontuais, mobilizações rápidas e votações vazias. Além desses eventos, existem ainda grandes espaços em vácuo. Isso porque estou envolvido até o pescoço. Antes do começo dessa mudança repentina, eu disse não. Eu e algumas minorias. Mas como minorias não mandam nem são mandadas, tivemos que acatar o que uma massa decidiu libertinamente. E foi interessante! De uma hora para a outra as minorias e eu nos tornamos aquilo que a maioria deveria tornar-se, mas que por infortúnio do destino ou simples lei de Newton não aconteceu. Eis que assim como ato de Houdini, aqueles que me impuseram o vácuo desapareceram nele, e de tempos em tempos assombram os que restaram no mapa astral do que hoje posso chamar de Campus. Esses espectros querem s