Foi uma noite intensa, mas parece que sobrevivi. Deixa eu te contar...
Há alguns anos passei por algumas experiências pesadíssimas para alguém com tão pouca idade e sem força física suficiente para sustentar aquilo que era preciso naquele momento. Contudo, não era nem um pouco fraco. Segurar intelectual e emocionalmente aquela situação era um exercício que exigia muito e acabaria por moldar quem viesse a realizá-lo. Claro que, como qualquer exercício, se realizado em excesso e sem as adequações, causaria consequências ruins.
Acredito que seja uma história nova para a maioria, afinal de contas não me lembro de tê-la partilhado com ninguém além da borda da minha família e um ou outro amigo próximo (e olhe lá), mas com certeza não foi com a profundidade e intensidade de agora. Assistindo "Avatar: a Lenda de Korra" percebi novamente o quão importante é, para vencermos os nossos medos, falar sobre eles e é isso o que quero.
Havia uma pessoa em minha casa. E ela não era bem-vinda.
Por alguns meses essa pessoa foi tomando o espaço inteiro, até o ponto em que só tínhamos um cômodo para chamar de nosso. O último refúgio. Meu quarto não era mais meu. A sala não era mais um espaço de convivência. A cozinha se tornara um ambiente de disputa entre aqueles que ainda queriam passar por lá. Até o espaço de lazer e trabalho, onde deveria haver paz, foi tomado pelo medo e instabilidade. A pior parte disso tudo é que não havia para onde ir, não se podia abrir a boca para dizer algo que nos libertasse. Os olhos e os ouvidos habitavam todos os cômodos e os olhos e ouvidos que poderiam nos resgatar estavam tentando viver um sonho.
Um pouco tempo antes do Ensino Médio e um pouco depois de ter entrado nele, me encontrava nessa situação insustentável. Era muito difícil ter que ver eu e as pessoas que mais amo se tornando reféns de uma criatura que ali estava por piedade de alguém que a amava cegamente, mas que seus problemas (chame como quiser) não permitiam que fosse uma pessoa agradável, confiável e, no meu caso, digna de amor e compaixão. Eu tinha que ser forte e reprimir toda tristeza, raiva e medo que me cercavam para poder ser inteligente, racional, e conseguisse defender aquela pessoinha indefesa que eu mais amo: meu irmão. Não poderia deixar que a influência daquele ser, que para mim era repugnante, afetasse o mais doce e inocente garoto que havia recebido de presente quando pedi a Deus para que não me deixasse sozinho no mundo. E então este que vos fala segurou, por anos, um ressentimento reprimido por tudo aquilo que repugnava nessa situação.
Mas como tudo que é reprimido, um dia aparece. Mesmo que não faça sentido de aparecer naquele momento. O corpo tem suas válvulas e, ao longo do tempo, vai esvaindo os medos um por um, seja para que vão embora ou para te enlouquecer. E ontem, durante o sono, eu revivi tudo aquilo. E chorei desesperado. Acordei com o rosto completamente encharcado e inchado. Não me reconheceram quando me viram e ainda não tive a oportunidade de compartilhar a experiência com a família. Mas já me sinto liberto.
Cada um vive um ou vários medos e eles vão se transformando ao longo da vida. Medo de não ser aceito, da vida adulta, da sexualidade, de não conseguir pagar as contas, de não passar na faculdade. E é desesperador sentir medo! Mas quando a gente identifica o medo e para de reprimi-lo, fica bem mais fácil de lidar com ele. Isso faz com que não se deixe identificar com o medo, tire ele das grades que nós construímos dentro de nós, em que acabamos nos tornando carcereiros - e ao mesmo tempo escravos dele - e permita que ele vá.
Nessa experiência, por exemplo, eu havia me tornado um sujeito muito duro e que pouco se expressava. Ou que quando se expressa o faz de forma misteriosa, quase que não dá para entender. Meu irmão me chama carinhosamente de "máquina de guerra fria e impiedosa" e às vezes diz que não sou tão gelado assim, que até tenho uns 2ºC no meu coração. Mal sabia ele que meu coração ferve feito lava sempre. A questão é que aprendi a esconder tudo isso por meio da linguagem. Tive que aprender. Para me defender e defendê-lo. Algumas vezes ainda escapa alguma coisa pela linguagem corporal, mas até isso eu me obriguei a aprender a controlar. Só que não dá.
Essa foi apenas uma onda no oceano que me habita. Mas foi um grande tsunami seguido de maremotos. E me parece que finalmente a poeira baixou e as correntes estão se realinhando. Que de agora em diante seja mais tranquilo para que "continue a nadar". E, se não for, pelo menos já aprendi a navegar em marés turbulentas.
Há alguns anos passei por algumas experiências pesadíssimas para alguém com tão pouca idade e sem força física suficiente para sustentar aquilo que era preciso naquele momento. Contudo, não era nem um pouco fraco. Segurar intelectual e emocionalmente aquela situação era um exercício que exigia muito e acabaria por moldar quem viesse a realizá-lo. Claro que, como qualquer exercício, se realizado em excesso e sem as adequações, causaria consequências ruins.
Havia uma pessoa em minha casa. E ela não era bem-vinda.
Por alguns meses essa pessoa foi tomando o espaço inteiro, até o ponto em que só tínhamos um cômodo para chamar de nosso. O último refúgio. Meu quarto não era mais meu. A sala não era mais um espaço de convivência. A cozinha se tornara um ambiente de disputa entre aqueles que ainda queriam passar por lá. Até o espaço de lazer e trabalho, onde deveria haver paz, foi tomado pelo medo e instabilidade. A pior parte disso tudo é que não havia para onde ir, não se podia abrir a boca para dizer algo que nos libertasse. Os olhos e os ouvidos habitavam todos os cômodos e os olhos e ouvidos que poderiam nos resgatar estavam tentando viver um sonho.
Um pouco tempo antes do Ensino Médio e um pouco depois de ter entrado nele, me encontrava nessa situação insustentável. Era muito difícil ter que ver eu e as pessoas que mais amo se tornando reféns de uma criatura que ali estava por piedade de alguém que a amava cegamente, mas que seus problemas (chame como quiser) não permitiam que fosse uma pessoa agradável, confiável e, no meu caso, digna de amor e compaixão. Eu tinha que ser forte e reprimir toda tristeza, raiva e medo que me cercavam para poder ser inteligente, racional, e conseguisse defender aquela pessoinha indefesa que eu mais amo: meu irmão. Não poderia deixar que a influência daquele ser, que para mim era repugnante, afetasse o mais doce e inocente garoto que havia recebido de presente quando pedi a Deus para que não me deixasse sozinho no mundo. E então este que vos fala segurou, por anos, um ressentimento reprimido por tudo aquilo que repugnava nessa situação.
Mas como tudo que é reprimido, um dia aparece. Mesmo que não faça sentido de aparecer naquele momento. O corpo tem suas válvulas e, ao longo do tempo, vai esvaindo os medos um por um, seja para que vão embora ou para te enlouquecer. E ontem, durante o sono, eu revivi tudo aquilo. E chorei desesperado. Acordei com o rosto completamente encharcado e inchado. Não me reconheceram quando me viram e ainda não tive a oportunidade de compartilhar a experiência com a família. Mas já me sinto liberto.
Cada um vive um ou vários medos e eles vão se transformando ao longo da vida. Medo de não ser aceito, da vida adulta, da sexualidade, de não conseguir pagar as contas, de não passar na faculdade. E é desesperador sentir medo! Mas quando a gente identifica o medo e para de reprimi-lo, fica bem mais fácil de lidar com ele. Isso faz com que não se deixe identificar com o medo, tire ele das grades que nós construímos dentro de nós, em que acabamos nos tornando carcereiros - e ao mesmo tempo escravos dele - e permita que ele vá.
Nessa experiência, por exemplo, eu havia me tornado um sujeito muito duro e que pouco se expressava. Ou que quando se expressa o faz de forma misteriosa, quase que não dá para entender. Meu irmão me chama carinhosamente de "máquina de guerra fria e impiedosa" e às vezes diz que não sou tão gelado assim, que até tenho uns 2ºC no meu coração. Mal sabia ele que meu coração ferve feito lava sempre. A questão é que aprendi a esconder tudo isso por meio da linguagem. Tive que aprender. Para me defender e defendê-lo. Algumas vezes ainda escapa alguma coisa pela linguagem corporal, mas até isso eu me obriguei a aprender a controlar. Só que não dá.
Essa foi apenas uma onda no oceano que me habita. Mas foi um grande tsunami seguido de maremotos. E me parece que finalmente a poeira baixou e as correntes estão se realinhando. Que de agora em diante seja mais tranquilo para que "continue a nadar". E, se não for, pelo menos já aprendi a navegar em marés turbulentas.
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