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A gente chega sozinho...

Neste mês de maio completei exatos 4 anos desde que saí da casa dos meus pais e vim parar nessa cidade chamada Viçosa (mais conhecida pelos estudantes que aqui habitam como 'Viciosa'), localizada numa coordenada geográfica que, se olhasse apenas pelo mapa, seria bem perto de tudo, mas fica tão distante e inacessível que mais me lembra o 'El Dorado'.

Para chegar até aqui, preciso sempre percorrer um longo caminho. De ônibus, quando menos atrasa, demora em torno de 18 horas. Quando dou a sorte de achar promoção de passagem aérea, acabo indo até Belo Horizonte, levando por volta de 7 a 8 horas até avistar o supermercado Bahamas, confirmando que finalmente cheguei.

Para praticamente todos com quem converso, essa viagem parece muito cansativa e dizem que não se submeteriam a isso com a mesma facilidade que eu aparento ter. O que muita gente não sabe é que não é fácil. Não tem um dia que não penso na minha casa perto do litoral, em como lá tem brisa e ruas mais largas, e que é possível ver o céu azul e as estrelas sem fazer muito esforço, porque a verticalização não atingiu o espaço urbano de lá.

A verdade é que a gente chega sozinho aqui. E continua. Cada um de nós, sozinhos nas nossas experiências, nas nossas angústias, nas nossas saudades... Mas também é verdade que chegamos e continuamos sozinhos em momentos de conquista, de comemoração e de pequenos prazeres diários.

É com o tempo que começamos a conhecer e nos aproximar de outras pessoas que também chegaram sozinhas, mas que continuarão sozinhas como cada um de nós. Bem semelhante ao meu longo caminho de ônibus para chegar geograficamente até aqui: vem conhecendo novos lugares que te impressionam com a beleza, a miséria, te deixam entediado olhando pela janela ou que embalam trilhas sonoras e fotografias que ficarão guardadas no coração e na memória - existem rotas a seguir, internas e externas, para conhecer pessoas.

E cada pessoa passa a compartilhar essas rotas conosco, trocando experiências e saberes. Desentendimentos e prazeres. Amores e deveres. Desinteresse. Interesse mútuo.

Cheguei aqui sozinho e perdido. Claro, minha prima veio me ajudar com a mudança. Os amigos da minha mãe me acolheram como se fossem meus pais, tios e tias. Eu estava aqui, acolhido, protegido. Mas perdido e só. Apenas depois que entrei nas rotas é que comecei a me sentir menos perdido, ao mesmo tempo que me senti acompanhado e acompanhando.

Na primeira semana de aula, quando finalmente estava seguro para interagir com outros seres humanos, opinei na conversa de colegas que nunca tinha visto na vida e um deles me disse: "nossa, você fala. Achei que era autista." Foi um golpe brutal em quem já vinha lutando contra um bloqueio para relações pessoais e acabava de se mudar para um novo contexto cultural. Não demorou muito para que fosse possível ver a situação se transformando e, de certa forma, se invertendo.

É uma questão de feeling. A gente realmente chega sozinho, continua sozinho, mas aprende a curtir toda a viagem. Aprende a fazer companhia. A saber quando a gente não quer mais ficar sozinho - ou como faz bem poder compartilhar um pouquinho da nossa existência com o outro. E também sabe a hora de se recolher para aproveitar a própria companhia.

Não dá pra dizer que a viagem de volta para as minhas casas (sim, na Bahia e em Minas) seja a melhor viagem de todas, nem mesmo a que eu consigo descansar mais. Mas ela se tornou muito agradável, tão agradável que nem me preocupo com o tempo. Durmo, leio, dou risada, conheço gente nova, interajo com as crianças... O que for preciso para aproveitar o melhor que aquele momento pode me proporcionar. O momento do incômodo vem sempre antes de começar (às vezes uma semana antes). Mas é só embarcar pra logo pegar a onda. Sem olhar para trás. Só curtindo a viagem.


Logo mais é hora de andar de novo.
A ansiedade já bateu aqui.
Espero conseguir arrumar as malas
e que eu possa me despedir.

É longa essa viagem
mas é o que temos a seguir.
Se não nos virmos, um até breve.
Se der saudade, tô por aí!

*Uma poesia do Saulo para fechar:

A saudade, o amor e o sorriso
O abraço, o infinito e a surpresa
O pé, a pausa e a porta
A ponte, o tempo e a pressa
A gratidão, o mar e o profundo
O pássaro, a flor e o eterno
A reza, o sim e a sorte
A beleza, o canto, e a cura
O velho, o espírito e a voz
A música, o servo e o instrumento
O vento, a direção e o encontro
A árvore, o livre e o chão
A folha, o barulho e a terra
O triz, o fio e o segundo
O instante, a luz e o mistério
O mundo, a menina e a fé
O sereno, a paz e a alma
A vida, a vida e a vida





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