Hoje é dia 21 de julho de 2020.
Desde o dia 16 de março deste mesmo ano sinto os efeitos graves da doença pandêmica sobre o meu espírito. Apenas uma semana e um dia foi o tempo que tive para estar sozinho, me recondicionar à minha casa - ao meu recanto de intimidade, de memórias e rotinas só minhas. O meu lugar de ser o adulto livre, responsável e autônomo que acostumei a ser em 7 anos fora da casa dos meus pais. O ano mal havia começado e as incertezas, velhas-novas presenças cotidianas, já tentavam fazer bagunça no meu lar. A principal delas era a financeira-profissional.
No dia 16 de março que minha universidade anunciou que estaria suspendendo todas as atividades acadêmicas presenciais por tempo indeterminado e que fechariam o Restaurante Universitário naquela mesma semana. A recomendação era de que todos fossem para as casas de suas famílias o quanto antes. Na semana anterior, eu havia chegado para organizar meu período letivo e como seria desenvolvida minha pesquisa nos meses seguintes. Era a primeira vez desde 2016 que eu havia conseguido traçar e fazer funcionar um planejamento de pequenas coisas logo na chegada da longa viagem de 800 km que sempre faço até Viçosa. Passo a passo feito de forma tranquila e que me possibilitou uma sensação de descanso ao fim dos dias. Tudo isso acabou na fatídica tarde do dia 16 de março, quando minha intuição me recomendou olhar a caixa de e-mails antes de lavar minhas poucas roupas sujas.
O sentimento principal ao voltar para a Bahia foi de frustração. Este é, pela lógica até o momento, meu último ano naquela cidade e naquela Universidade. Pelo menos como estudante. Faço um mestrado fora da minha área de graduação, mas que tem tudo a ver com quem sou e com o que me interesso. Fui acolhido dessa forma e soube articular as possibilidades que a sorte me sorriu de forma que os interesses se encontrassem, mesmo que fosse necessário negociá-los por um tempo ou mudar a forma de apresentá-los. Era ali que estava me encontrando e me reencantando, não só como acadêmico, mas como um sujeito com existência, quereres e nuances próprias. De ter uma vivência para além da sombra e da rotina do coletivo da família. Tantos eram os planos e possibilidades para viver os novos dias que estavam sendo desenhados. Não mais que de repente, estaria, em menos de duas semanas, voltando para o lugar onde me sinto menos que aquilo e me perco numa realidade paralela de um estágio anterior de mim.
Eu já tentei antes fazer minhas atividades acadêmicas e profissionais dentro da casa dos meus pais. Não foi fácil. Na verdade, não me lembro de conseguir concluí-las de forma satisfatória por aqui. É difícil me reacostumar com o barulho, com a movimentação, com a rotina alheia e os papeis de hierarquia que foram construídos, inclusive a hierarquia que não é mais dita, mas que pressiona: a hierarquia das formas de trabalho e do sustento. Posso ser a pessoa que mais passa horas líquidas fazendo uso de massa cinzenta e força física nas atividades cotidianas, se não trago dinheiro para dentro de casa, não me coloco como sujeito no mesmo patamar que os outros.
O sentimento principal ao voltar para a Bahia foi de frustração. Este é, pela lógica até o momento, meu último ano naquela cidade e naquela Universidade. Pelo menos como estudante. Faço um mestrado fora da minha área de graduação, mas que tem tudo a ver com quem sou e com o que me interesso. Fui acolhido dessa forma e soube articular as possibilidades que a sorte me sorriu de forma que os interesses se encontrassem, mesmo que fosse necessário negociá-los por um tempo ou mudar a forma de apresentá-los. Era ali que estava me encontrando e me reencantando, não só como acadêmico, mas como um sujeito com existência, quereres e nuances próprias. De ter uma vivência para além da sombra e da rotina do coletivo da família. Tantos eram os planos e possibilidades para viver os novos dias que estavam sendo desenhados. Não mais que de repente, estaria, em menos de duas semanas, voltando para o lugar onde me sinto menos que aquilo e me perco numa realidade paralela de um estágio anterior de mim.
Eu já tentei antes fazer minhas atividades acadêmicas e profissionais dentro da casa dos meus pais. Não foi fácil. Na verdade, não me lembro de conseguir concluí-las de forma satisfatória por aqui. É difícil me reacostumar com o barulho, com a movimentação, com a rotina alheia e os papeis de hierarquia que foram construídos, inclusive a hierarquia que não é mais dita, mas que pressiona: a hierarquia das formas de trabalho e do sustento. Posso ser a pessoa que mais passa horas líquidas fazendo uso de massa cinzenta e força física nas atividades cotidianas, se não trago dinheiro para dentro de casa, não me coloco como sujeito no mesmo patamar que os outros.
Esse sentimento constante às vezes é racionalizado e compreendido pelo consciente, que consegue perceber que o momento é de recolhimento, que não há emprego, que a etapa do agora é terminar a pós, fazer algumas concessões e se permitir estar um pouco menos preocupado com algumas questões relacionadas a dinheiro, produtividade, qualidade, status e planejamento futuro para além do dia seguinte. Mas segue sendo difícil, penoso, chega a doer.
As notícias que assisto são ainda piores. Falsas doses de pensamento positivo, como nas manchetes sobre os estudos relacionados à vacina, somadas ao nojento contexto político e econômico do país. Nenhuma janela de perspectiva para quem é mais jovem, como eu. Os empregos cada vez mais raros e cada vez mais caros, uma vez que trocamos tempo e qualidade de vida por dinheiro. Os relacionamentos cada vez mais distantes e mais inflamados, mais difíceis de lidar pela falta dos sentidos físicos que nos tornam seres empáticos.
Não há empatia na razão pura. Não há sentimento sem a possibilidade da sensação física. Afirmo isso pelo fato de que nem a voz dos meus amigos e das minhas amigas tem sido possível ser escutada. Nem seu choro, nem suas risadas. Salvo os parentes mais próximos, a troca afetiva tem sido negada a todos e a todas que, por uma etiqueta bem recente, deixaram de lado costumes como ligar para pessoas queridas quando se sente saudade, por medo de achar incômodo, ou pela rotina exaustiva de tentar produzir em casa, um ambiente que, antes, era santuário do descanso.
Por isso não acredito nessa conversa de "novo normal", de que terei que me acostumar com o afastamento entre os corpos e espíritos mesmo depois que o estado de pandemia tiver sido vencido. Não assumo isso como normal porque não é. Não me sinto um ser virtual com etiquetas à prova de contato. Não sinto que trabalhar em casa seja uma boa moda. Me preocupam as alienações de sentidos, sejam eles físicos ou simbólicos. E acredito que boa parte da população também não deve manter esses padrões, como já não vem mantendo, seja no Brasil, seja no resto do mundo onde já houve algum controle do ciclo da doença.
As narrativas sobre um "novo normal" não se sustentam fora do senso comum de um contexto de medo massivamente midiatizado e de uma cultura da instantaneidade, do imediato, da rapidez, do efêmero e do fluido. Não quero dizer com isso que não há gravidade na pandemia ou necessidade de refletirmos sobre mudanças na forma como vivemos, mas sim que algumas mudanças devem ser percebidas em seu momento e refletidas até quando elas farão sentido. De lembrar que aquilo que é passageiro ou provisório não tem caráter definitivo, mesmo que assim pareça no instante em que vivemos.
Refletir sobre tudo isso ao mesmo tempo em que os prazos não são suspensos pode ser estafante. Como não sou uma máquina, apesar de já ter refletido sobre essa possibilidade algumas vezes, sinto dores físicas, que só aumentam com a chegada do frio e o agravamento da minha fibromialgia. Chego à exaustão da mente pensando formas de manter minha produtividade, quando nem mesmo as fábricas mantiveram suas máquinas funcionando plenamente. E quase sempre não perdoo meu espírito por estar buscando outras maneiras de viver este momento de aprendizado, quando todos os prazos do mundo exterior seguem constantes e agindo como o Coelho Branco de Alice, gritando a todos os ventos "estou atrasado!", mesmo que o sentido do tempo tenha se perdido juntamente com todos os outros sentidos que a pandemia afastou de nós.
Hoje é dia 21 de julho de 2020. O que isso quer dizer, eu realmente não sei. Sei que disse aquilo que queria, e isso me fez bem.
Refletir sobre tudo isso ao mesmo tempo em que os prazos não são suspensos pode ser estafante. Como não sou uma máquina, apesar de já ter refletido sobre essa possibilidade algumas vezes, sinto dores físicas, que só aumentam com a chegada do frio e o agravamento da minha fibromialgia. Chego à exaustão da mente pensando formas de manter minha produtividade, quando nem mesmo as fábricas mantiveram suas máquinas funcionando plenamente. E quase sempre não perdoo meu espírito por estar buscando outras maneiras de viver este momento de aprendizado, quando todos os prazos do mundo exterior seguem constantes e agindo como o Coelho Branco de Alice, gritando a todos os ventos "estou atrasado!", mesmo que o sentido do tempo tenha se perdido juntamente com todos os outros sentidos que a pandemia afastou de nós.
Hoje é dia 21 de julho de 2020. O que isso quer dizer, eu realmente não sei. Sei que disse aquilo que queria, e isso me fez bem.
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