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Mando nudes.

Eu sei, o título é comprometedor. As imagens mais ainda. Este texto inteiro pode causar um alvoroço. Mas não seria eu se dissesse que não está tudo bem. A verdade é que o mundo (digital, principalmente) tem ficado tão chato que essas coisas acontecem e aparecem toda vez que o somatório do tédio acumulado ultrapassa a força da razão coletiva. Ou seja, numa escala digna de Schopenhauer, a longo prazo, todos estaremos nus.


Me chamou a atenção um vídeo postado pelo Mark Hewes no canal Vlogue e a repercussão que surgiu a partir das cenas dele posando nu (coberto por balões) no início. Muitos comentários sem noção dizendo “onde está o conteúdo?”, “só usa o corpo para aparecer”, entre outras formas incisivas de criticar a presença do seu corpo nu num vídeo do YouTube. Algo que, como conversamos depois, ninguém deve querer ver na vida, né? A nudez deve ser algo extremamente abominado pela sociedade, não é mesmo? Vamos perguntar para as propagandas de cerveja.

Por que a nudez, algo mais antigo que o próprio ser humano, é tratada como algo que incomoda? Diga-se de passagem, a masculina é tratada entre os próprios homens como algo indiscutível, velado e solitário. Conhecer o próprio corpo é uma bênção condenada e o alheio pode ser heresia. Mas, como bem disse o Mark, estamos numa época em que as pessoas pedem ‘nudes’ o tempo todo. Para quem não sabe, ‘nudes’ são fotos eróticas. Coisa tão antiga quanto a invenção da fotografia, mas agora massificada graças à revolução digital (porém ainda muito velada - “você faz isso, Isabel?”).

O desencantamento do mundo é algo que me fascina. Weberianamente falando, o processo de racionalização do mundo, das ciências, da religião, política e tudo o que circunda a vida humana faz com que toda a magia que envolvia o conhecimento e a cultura em geral vá se dissipando, destruindo as concepções sobrenaturais, intangíveis e ininteligíveis e substituindo por regras e postulados que buscam entender as coisas. 

O problema é que essa sede pelo domínio do Universo também gera uma cisão numa das mais humanas esferas existenciais, que é a sensorial. O homem trata de separar o mundo humano do mundo dos deuses, cria patamares superiores de existência que só serão alcançados após a morte e assim vai se tornando um casulo que aguarda para dar a luz a um ser em comunhão com o divino (até então desconhecido, pois não se encontra na mesma esfera de seus sentidos físicos). E, como todo bom casulo, quanto mais guardado e seguro, melhor. Mas a biologia evoluiu e existe para nos dizer que não somos casulos e sim partes da teia da vida, que só se sustenta se houver contato, conexão. TATO.

Os gregos antigos, os indígenas e outros povos os quais os registros marcam mais de 2 milênios possuíam formas de cultuar o corpo, a nudez e as relações entre as pessoas (sim, homens, mulheres, pessoas de ambos os sexos ao mesmo tempo e de preferências mil) de maneira natural e celebrada. Quando faziam algo que fosse tido como ruim, o destino cuidava para que fossem devidamente castigados, na eterna lei do retorno. E, no fim das contas, as dores e os prazeres eram compartilhados. Não era necessário sofrer sozinho, pois seus deuses estavam no mesmo plano que as suas angústias. Hoje, estamos todos em outros planos. Cada um no seu universo particular, no casulinho envolvido pelas normas e crenças que foram juntadas de geração em geração. Como os velhos trapos que escondem o Buda de ouro.

Mas o corpo ainda é corpo
E o pulso ainda pulsa.

E, involuntariamente, como todo ser carente, vamos encontrar uma brecha nesse casulo alguma hora e perguntar “me abraça?” (ou ‘manda nudes’, como preferir).

P.S.: o link para o canal do Mark é esse aqui ó - https://www.youtube.com/channel/UCvMt0qGFmEG_RFr93I3s_Kw - Acesse! Tem muitas coisas bacanas.


Comentários

  1. Lucas, me orgulho da sua perspicácia. Não é engraçado termos tantos pudores com o nudes e ao mesmo tempo precisarmos tanto dele na vida real? Vamos investigar o tema! Está aqui nosso projeto de trabalho (pesquisa, mestrado...enfim... uma jornada incrível). Aceita o desafio?

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